FOCOS DE TENSÃO NA AMAZÔNIA

Povos indígenas e o meio ambiente são atacados no Brasil  

"Quando ouvi falar da invasão, fiquei com medo porque fica muito perto da aldeia. Eu nunca tinha visto uma tão perto. Fiquei com medo de que eles viessem aqui. Não conseguia mais dormir. Houve tiros durante a noite por várias noites. Fiquei com muito medo. Eu colocava as crianças para dormir, mas eu mesma não conseguia dormir."

22 anos, mulher indígena Uru-Eu-Wau-Wau

Uma placa da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) declarando a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau (no estado de Rondônia) “Terra Protegida” foi cravada de balas após invasão em janeiro de 2019. © Gabriel Uchida

Uma placa da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) declarando a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau (no estado de Rondônia) “Terra Protegida” foi cravada de balas após invasão em janeiro de 2019. © Gabriel Uchida

O medo é palpável nas palavras desta mulher indígena Uru-Eu-Wau-Wau, de 22 anos, cuja terra comunitária foi invadida em janeiro de 2019, perto de sua aldeia na beira da floresta amazônica no Brasil. Desde então, a tensão aumentou, com vários novos loteamentos de terras ilegais e atos de intimidação. 

No mesmo estado, Rondônia, os líderes indígenas Karipuna têm recebido ameaças de morte:


"Eles [os invasores ilegais] deixaram uma mensagem de que nós [os líderes indígenas] não deveríamos andar nos seus caminhos, nós desapareceríamos."
Um líder Karipuna

Então, em 4 de julho, madeireiros ilegais em outra parte de Rondônia incendiaram um caminhão-tanque que era usado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) para apoiar operações de fiscalização do desmatamento em territórios indígenas. 

Caminhão-tanque sendo queimado no distrito de Boa Visto do Pacarana, no município de Espigão d’Oeste. Filmado por morador local

Caminhão-tanque sendo queimado no distrito de Boa Visto do Pacarana, no município de Espigão d’Oeste. Filmado por morador local

O ataque incendiário enviou uma nuvem de fumaça preta tóxica para o céu e, logo em seguida, o distrito de Boa Vista do Pacarana e a cidade de Espigão d'Oeste também se tornaram focos de tensão em uma batalha crescente pelo controle da Amazônia brasileira.


Muitas comunidades indígenas estão cada vez mais pressionadas por madeireiros, garimpeiros e fazendeiros ilegais que querem ter acesso a suas terras e recursos.

A LINHA DE FRENTE

A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau no estado de Rondônia, Brasil. © Gabriel Uchida

A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau no estado de Rondônia, Brasil. © Gabriel Uchida

Provocado pela destruição do seu caminhão-tanque, o IBAMA respondeu com uma demonstração de força.

No dia 17 de julho, coincidindo com uma visita do Ministro do Meio Ambiente à área, a Folha de São Paulo relatou a chegada de 30 agentes do IBAMA, 60 policiais militares e 110 soldados para montar acampamento em Espigão d'Oeste e proteger contra a crescente ameaça de violência.

Foi o passo mais ousado da agência sob a presidência de Jair Bolsonaro, que tem notoriamente apoiado a abertura da floresta amazônica para exploração. 

Mapa da região de Espigão d’Oeste. Mapa base: Landsat/Copernicus, Fonte © Google Earth

Mapa da região de Espigão d’Oeste. Mapa base: Landsat/Copernicus, Fonte © Google Earth


Territórios indígenas estão na linha de frente.


Juntamente com o território Arara no estado do Pará, os territórios Uru-Eu-Wau-Wau e Karipuna estão entre as terras indígenas mais ameaçadas da Amazônia brasileira. A Anistia Internacional visitou recentemente esses territórios para compreender a situação nas linhas de frente dos conflitos ambientais e de direitos humanos no Brasil. Nos três locais, invasores ilegais tinham iniciado ou expandido  esforços para se apropriar de terras e/ou derrubar árvores. Os líderes indígenas contaram que haviam recebido ameaças de morte por defender suas terras tradicionais. 

Os povos indígenas têm o direito internacionalmente reconhecido de possuir, usar, desenvolver e controlar as terras, territórios e recursos que tradicionalmente possuíam, ocupavam ou de outra forma usavam ou adquiriram.

Limite da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau no estado de Rondônia, Brasil. Onde as terras tradicionais de povos indígenas são florestas primárias, o reconhecimento legal de terras indígenas pode desempenhar um papel de proteção contra o desmatamento. © Gabriel Uchida

Limite da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau no estado de Rondônia, Brasil. Onde as terras tradicionais de povos indígenas são florestas primárias, o reconhecimento legal de terras indígenas pode desempenhar um papel de proteção contra o desmatamento. © Gabriel Uchida

Os agentes do governo encarregados de defender as terras protegidas também enfrentam ameaças crescentes. Em maio, enquanto consertavam a estrada de acesso a um território indígena no estado de Rondônia, agentes ambientais foram cercados por mais de 30 homens, alguns encapuzados. Depois de uma longa e tensa conversa, eles foram embora, mas a mensagem havia sido dada. 

No estado do Pará, em julho, madeireiros locais atearam fogo em duas pontes ao longo da rodovia Transamazônica, no município de Placas, em retaliação à fiscalização do IBAMA contra exploração ilegal de madeira na região próxima à Terra Indígena Arara. 

Imagem de 16 de julho de 2019 mostra uma ponte queimada a 3 quilômetros ao leste da cidade de Placas, no estado do Pará. © 2019 CNES/Airbus

Imagem de 16 de julho de 2019 mostra uma ponte queimada a 3 quilômetros ao leste da cidade de Placas, no estado do Pará. © 2019 CNES/Airbus

FALHA NA PROTEÇÃO

A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau no estado de Rondônia, Brasil. © Gabriel Uchida

A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau no estado de Rondônia, Brasil. © Gabriel Uchida

O histórico do governo em proteção ambiental e direitos indígenas tem sido lamentavelmente inadequado.

No nível local, o monitoramento governamental de terras protegidas – que sempre foi insuficiente – foi reduzido ainda mais sob a nova administração. O Congresso frustrou por uma pequena margem a tentativa de Bolsonaro de transferir a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para o Ministério da Agricultura, um claro conflito de interesses.

Um marco da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) indica o limite da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia, Brasil. © Gabriel Uchida

Um marco da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) indica o limite da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia, Brasil. © Gabriel Uchida

Em junho, a FUNAI e outros órgãos governamentais realizaram uma grande operação contra o loteamento de terras e a extração de madeira ilegais dentro do território Karipuna. Mas esforços esporádicos não impedirão as invasões ilegais e ainda não há um plano de longo prazo para proteger a área. 

Imagem de fundo: extração ilegal de madeira na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia, Brasil. © Gabriel Uchida

Enquanto isso, algumas comunidades indígenas patrulham seus territórios por conta própria, correndo o risco de confrontos com invasores ilegais, que geralmente estão armados e em maior número.

Um homem indígena se prepara para patrulhar a floresta na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia, Brasil. Há um alto risco de conflitos violentos com invasores armados. © Gabriel Uchida

Um homem indígena se prepara para patrulhar a floresta na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia, Brasil. Há um alto risco de conflitos violentos com invasores armados. © Gabriel Uchida

Homens indígenas na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau patrulham em um caminho aberto na floresta por invasores que querem ilegalmente ocupar a terra. © Gabriel Uchida

Um homem indígena patrulha a floresta na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau (em Rondônia) para protegê-la de loteamento e exploração de madeira ilegais. © Gabriel Uchida

Homens indígenas patrulham a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau (em Rondônia) para protegê-la de loteamento e exploração de madeiras ilegais. © Gabriel Uchida

Um homem indígena observa um rebanho de gado perto da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia. A pecuária é a principal causa do desmatamento na Amazônia Brasileira. © Gabriel Uchida

Homens indígenas na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau patrulham em um caminho aberto na floresta por invasores que querem ilegalmente ocupar a terra. © Gabriel Uchida

Um homem indígena patrulha a floresta na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau (em Rondônia) para protegê-la de loteamento e exploração de madeira ilegais. © Gabriel Uchida

Homens indígenas patrulham a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau (em Rondônia) para protegê-la de loteamento e exploração de madeiras ilegais. © Gabriel Uchida

Um homem indígena observa um rebanho de gado perto da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia. A pecuária é a principal causa do desmatamento na Amazônia Brasileira. © Gabriel Uchida

Esse risco se tornou mais aparente quando, indígenas Waiãpi denunciaram o assassinato de uma liderança por garimpeiros no estado do Amapá no final de julho.

Mapa do território Indígena Waiãpi

Mapa do território Indígena Waiãpi

DESMATAMENTO EM NOME DO "DESENVOLVIMENTO"

A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau no estado de Rondônia, Brasil. © Gabriel Uchida

A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau no estado de Rondônia, Brasil. © Gabriel Uchida

Em nível nacional, a hostilidade do presidente Bolsonaro em relação à proteção ambiental e aos territórios indígenas indiretamente estimula loteamento de terras ilegal. Ele disse que a demarcação de terras indígenas e reservas ambientais prejudica o desenvolvimento. Os objetivos de Bolsonaro são claros: impulsionado por uma vontade de lucrar nos mercados internacionais, ele quer abrir ainda mais a Amazônia para atividades de mineração e agronegócio, como a pecuária.

Presidente Jair Bolsonaro © SERGIO LIMA/AFP/Getty Images

Presidente Jair Bolsonaro © SERGIO LIMA/AFP/Getty Images

Não é de surpreender que as taxas de desmatamento na Amazônia brasileira estejam disparando. Os povos indígenas e suas terras estão especialmente em risco. A ONG Imazon relatou a perda de 62 km² de floresta dentro dos territórios indígenas durante o primeiro semestre de 2019, um aumento de mais de 20% em relação ao mesmo período de 2018. Nos três territórios visitados pela Anistia Internacional, as perspectivas são extremamente adversas – o desmatamento nessas áreas em 2019 já é o dobro do mesmo período em 2018. O período de pico do desmatamento mal começou e neste ano mais de 7 km² já foram desmatados dentro dos três territórios indígenas.


Desmatamento visível por imagem de satélite na Terra Indígena Karipuna a partir de 7 de fevereiro de 2019. © 2019 Planet


Imagem de satélite na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em 3 de julho de 2019. © 2019 Planet

Novo desmatamento visível por imagem de satélite na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em 15 de julho de 2019. © 2019 Planet

Imagem de satélite na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em 3 de julho de 2019. © 2019 Planet

Novo desmatamento visível por imagem de satélite na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em 15 de julho de 2019. © 2019 Planet

E parece que as coisas ainda vão piorar. No início de julho, o estado do Pará sancionou, sem debate público, uma lei controversa que incentiva apropriações ilegais de terras, agravando o desmatamento e a violência rural em um dos estados onde os conflitos por terra são mais letais.

“A menos que a FUNAI e as outras autoridades intensifiquem a luta contra os loteamentos de terras e a extração de madeira ilegais, os confrontos violentos entre os povos indígenas e os invasores são altamente prováveis”, afirmou Richard Pearshouse, diretor de Crises e Meio Ambiente da Anistia Internacional. “Proteger os direitos humanos dos povos indígenas é fundamental para evitar mais desmatamento na Amazônia. A comunidade internacional deve estar atenta e apoiar as comunidades indígenas na linha de frente da luta para proteger as florestas mais preciosas do mundo.

Um caminho aberto por invasores na floresta dentro da Terra Indígena Arara, no Pará. Invasores são frequentemente moradores locais que são encorajados e apoiados por fazendeiros e políticos locais para ocupar e/ou vender madeira. © Amnesty International

Um caminho aberto por invasores na floresta dentro da Terra Indígena Arara, no Pará. Invasores são frequentemente moradores locais que são encorajados e apoiados por fazendeiros e políticos locais para ocupar e/ou vender madeira. © Amnesty International

Um homem indígena patrulha a floresta na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia, Brasil. © Gabriel Uchida

Um homem indígena patrulha a floresta na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia, Brasil. © Gabriel Uchida