FOCOS DE TENSÃO NA AMAZÔNIA
Povos indígenas e o meio ambiente são atacados no Brasil
"Quando ouvi falar da invasão, fiquei com medo porque fica muito perto da aldeia. Eu nunca tinha visto uma tão perto. Fiquei com medo de que eles viessem aqui. Não conseguia mais dormir. Houve tiros durante a noite por várias noites. Fiquei com muito medo. Eu colocava as crianças para dormir, mas eu mesma não conseguia dormir."
22 anos, mulher indígena Uru-Eu-Wau-Wau
O medo é palpável nas palavras desta mulher indígena Uru-Eu-Wau-Wau, de 22 anos, cuja terra comunitária foi invadida em janeiro de 2019, perto de sua aldeia na beira da floresta amazônica no Brasil. Desde então, a tensão aumentou, com vários novos loteamentos de terras ilegais e atos de intimidação.
No mesmo estado, Rondônia, os líderes indígenas Karipuna têm recebido ameaças de morte:
"Eles [os invasores ilegais] deixaram uma mensagem de que nós [os líderes indígenas] não deveríamos andar nos seus caminhos, nós desapareceríamos."
Então, em 4 de julho, madeireiros ilegais em outra parte de Rondônia incendiaram um caminhão-tanque que era usado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) para apoiar operações de fiscalização do desmatamento em territórios indígenas.
O ataque incendiário enviou uma nuvem de fumaça preta tóxica para o céu e, logo em seguida, o distrito de Boa Vista do Pacarana e a cidade de Espigão d'Oeste também se tornaram focos de tensão em uma batalha crescente pelo controle da Amazônia brasileira.
Muitas comunidades indígenas estão cada vez mais pressionadas por madeireiros, garimpeiros e fazendeiros ilegais que querem ter acesso a suas terras e recursos.
A LINHA DE FRENTE
Provocado pela destruição do seu caminhão-tanque, o IBAMA respondeu com uma demonstração de força.
No dia 17 de julho, coincidindo com uma visita do Ministro do Meio Ambiente à área, a Folha de São Paulo relatou a chegada de 30 agentes do IBAMA, 60 policiais militares e 110 soldados para montar acampamento em Espigão d'Oeste e proteger contra a crescente ameaça de violência.
Foi o passo mais ousado da agência sob a presidência de Jair Bolsonaro, que tem notoriamente apoiado a abertura da floresta amazônica para exploração.
Territórios indígenas estão na linha de frente.
Juntamente com o território Arara no estado do Pará, os territórios Uru-Eu-Wau-Wau e Karipuna estão entre as terras indígenas mais ameaçadas da Amazônia brasileira. A Anistia Internacional visitou recentemente esses territórios para compreender a situação nas linhas de frente dos conflitos ambientais e de direitos humanos no Brasil. Nos três locais, invasores ilegais tinham iniciado ou expandido esforços para se apropriar de terras e/ou derrubar árvores. Os líderes indígenas contaram que haviam recebido ameaças de morte por defender suas terras tradicionais.
Os agentes do governo encarregados de defender as terras protegidas também enfrentam ameaças crescentes. Em maio, enquanto consertavam a estrada de acesso a um território indígena no estado de Rondônia, agentes ambientais foram cercados por mais de 30 homens, alguns encapuzados. Depois de uma longa e tensa conversa, eles foram embora, mas a mensagem havia sido dada.
No estado do Pará, em julho, madeireiros locais atearam fogo em duas pontes ao longo da rodovia Transamazônica, no município de Placas, em retaliação à fiscalização do IBAMA contra exploração ilegal de madeira na região próxima à Terra Indígena Arara.
FALHA NA PROTEÇÃO
O histórico do governo em proteção ambiental e direitos indígenas tem sido lamentavelmente inadequado.
No nível local, o monitoramento governamental de terras protegidas – que sempre foi insuficiente – foi reduzido ainda mais sob a nova administração. O Congresso frustrou por uma pequena margem a tentativa de Bolsonaro de transferir a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para o Ministério da Agricultura, um claro conflito de interesses.
Em junho, a FUNAI e outros órgãos governamentais realizaram uma grande operação contra o loteamento de terras e a extração de madeira ilegais dentro do território Karipuna. Mas esforços esporádicos não impedirão as invasões ilegais e ainda não há um plano de longo prazo para proteger a área.
Imagem de fundo: extração ilegal de madeira na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia, Brasil. © Gabriel Uchida
Enquanto isso, algumas comunidades indígenas patrulham seus territórios por conta própria, correndo o risco de confrontos com invasores ilegais, que geralmente estão armados e em maior número.
Esse risco se tornou mais aparente quando, indígenas Waiãpi denunciaram o assassinato de uma liderança por garimpeiros no estado do Amapá no final de julho.
DESMATAMENTO EM NOME DO "DESENVOLVIMENTO"
Em nível nacional, a hostilidade do presidente Bolsonaro em relação à proteção ambiental e aos territórios indígenas indiretamente estimula loteamento de terras ilegal. Ele disse que a demarcação de terras indígenas e reservas ambientais prejudica o desenvolvimento. Os objetivos de Bolsonaro são claros: impulsionado por uma vontade de lucrar nos mercados internacionais, ele quer abrir ainda mais a Amazônia para atividades de mineração e agronegócio, como a pecuária.
Não é de surpreender que as taxas de desmatamento na Amazônia brasileira estejam disparando. Os povos indígenas e suas terras estão especialmente em risco. A ONG Imazon relatou a perda de 62 km² de floresta dentro dos territórios indígenas durante o primeiro semestre de 2019, um aumento de mais de 20% em relação ao mesmo período de 2018. Nos três territórios visitados pela Anistia Internacional, as perspectivas são extremamente adversas – o desmatamento nessas áreas em 2019 já é o dobro do mesmo período em 2018. O período de pico do desmatamento mal começou e neste ano mais de 7 km² já foram desmatados dentro dos três territórios indígenas.
Desmatamento visível por imagem de satélite na Terra Indígena Karipuna a partir de 7 de fevereiro de 2019. © 2019 Planet
E parece que as coisas ainda vão piorar. No início de julho, o estado do Pará sancionou, sem debate público, uma lei controversa que incentiva apropriações ilegais de terras, agravando o desmatamento e a violência rural em um dos estados onde os conflitos por terra são mais letais.